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Imbróglio do ajuste fiscal promete novas rodadas de polêmicas para gestão de Lula

Ao insistir no aumento de impostos e ignorar o corte de gastos, o governo frustra as expectativas de promoção das reformas estruturais tão necessárias

Por Márcio Juliboni Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 14 jun 2025, 08h00

No encontro com líderes do Congresso realizado na noite de domingo, 8, para discutir as medidas necessárias para reverter a deterioração das contas públicas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, propôs o que chamou de “pacto pelo equilíbrio fiscal do Brasil”. O acordo seria sustentado por três pilares, sendo o primeiro deles a revisão do Decreto nº 12.466. Assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no fim de maio, o texto aumentou o imposto sobre operações financeiras (IOF) e provocou uma forte e justa oposição de parlamentares, empresas e mercado financeiro. O segundo ponto de sustentação seria a aprovação de uma medida provisória elevando outros tributos para compensar as perdas com a revisão do IOF. Para arrematar, o pacto envolveria um corte de incentivos fiscais. Ao término da reunião, de quase cinco horas, a frustração dos presentes era visível. Haddad pouco tocou no que deveria ser o tema principal da conversa: as medidas estruturais solicitadas pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), anfitrião do encontro. Sem elas, a boa vontade dos parlamentares com o governo minguou. “O clima no Congresso em relação às propostas é muito ruim”, afirmou a VEJA o deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ), que participou da reunião e é o responsável pelo grupo de trabalho da reforma istrativa na Câmara. “Só vemos aumento de tributos, sem ajuste de despesas.”

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Insatisfeitos com a posição de Haddad, os congressistas partiram para o ataque. Na terça-feira 10, uma coalizão representando 469 deputados e 79 senadores emitiu uma nota rechaçando qualquer plano para taxar mais empresas e cidadãos. No dia seguinte, a federação formada por União Brasil e Partido Progressistas, com quatro ministérios na Esplanada, também se posicionou contra novos encargos. “Ninguém aceita mais a pauta do aumento de impostos”, diz o deputado Cláudio Cajado (PP-BA), que foi o relator do arcabouço fiscal na Câmara. Tamanha mobilização do Parlamento pretendia pressionar Lula e a equipe econômica a promoverem um ajuste fiscal baseado em corte de gastos, para cumprir as metas fiscais de curto prazo, e em reformas estruturais para estancar, no longo prazo, o crescimento das despesas e reverter a trajetória da dívida pública, que disparou após o retorno do PT ao poder. Em nova demonstração de chance desperdiçada para um debate de alto nível sobre um assunto crucial, o governo resolveu tentar o método de persuasão mais simples e direto: o de acelerar a liberação de emendas parlamentares para conter a revolta no Congresso.

CANELADA - Patrocínio no futebol: a tributação sobre as bets subiu para 18%
CANELADA – Patrocínio no futebol: a tributação sobre as bets subiu para 18% (Alessandro Brito/Getty Images)

O imbróglio do ajuste fiscal promete render novas rodadas de polêmicas. A Medida Provisória nº 1.303 e o Decreto nº 12.499, publicados em uma edição extra do Diário Oficial da União na noite de quarta-feira, 11, irritaram ainda o Legislativo ao confirmar que, mais uma vez, Lula insiste em mirar no alvo errado — o bolso dos brasileiros — para cobrir o déficit. Sob o pretexto de corrigir distorções, a MP e o decreto elevam, na prática, a carga tributária. Os títulos de investimento incentivados, antes isentos, pagarão 5% de IR. A medida atinge importantes instrumentos de financiamento da construção civil, como as Letras de Crédito Imobiliário, e da agricultura, como os Certificados de Recebíveis do Agronegócio. O imposto sobre as bets subirá de 12% para 18% da receita. A alíquota de 9% da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido cobrada das fintechs foi extinta, e as instituições am a pagar 15%, como os bancos. O mesmo esmero do Planalto em ampliar receitas não foi visto no corte de gastos. A MP contém medidas genéricas para endurecer o o a alguns benefícios, como o seguro-defeso, pago aos pescadores, e o auxílio a quem se afasta por um tempo do trabalho por motivos de saúde.

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Para complicar ainda mais a tarefa de Haddad, o plano do governo deve causar mais barulho do que resultados. A corretora Warren Rena estima que o novo pacote gerará 30 bilhões de reais em 2026. A cifra já seria insuficiente para cobrir o déficit de 52 bilhões de reais previsto para este ano. Mas o cenário do ano que vem é ainda pior. “Mesmo se essas medidas forem adiante, seria preciso bloquear 50 bilhões no ano que vem para cumprir a meta”, estima o economista Felipe Salto, da Warren Rena. “Mas o Orçamento já estará engessado demais para permitir isso.” A razão é que os gastos obrigatórios, tais como o pagamento de aposentadorias e o Benefício de Prestação Continuada, representarão 92% do total de despesas em 2026.

RISCO - Edifício em obras: taxar LCIs e CRIs ameaça crédito à construção
RISCO - Edifício em obras: taxar LCIs e CRIs ameaça crédito à construção (Marcello Casal Jr./Agência Brasil)

Restarão apenas 8% do Orçamento para os gastos discricionários — a margem de manobra à disposição do governo —, que envolvem de investimentos em obras a manutenção de prédios públicos. Mesmo a destinação desses recursos está cada vez mais rígida. Ao enviar o projeto de Orçamento de 2026 ao Congresso, em abril, o Ministério do Planejamento previu 208 bilhões de reais para gastos discricionários. A maior parte do dinheiro, porém, já tem destinação certa: o pagamento de emendas parlamentares e a complementação dos desembolsos mínimos com saúde e educação fixados pela Constituição. Essas despesas “carimbadas” consumirão 125 bilhões. Em 2027, o governo antevê um cenário ainda pior. De um lado, o aumento dos gastos obrigatórios reduzirá a verba para outros fins. Ao mesmo tempo, as emendas parlamentares e os gastos com saúde e educação consumirão 133 bilhões. Faltarão 11 bilhões apenas para cobrir essas despesas — sem contar o dinheiro necessário para todo o resto. Em outras palavras: a máquina federal pode parar em dois anos.

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INEVITÁVEL - Agência do INSS: ajuste a por reforma da Previdência
INEVITÁVEL - Agência do INSS: ajuste a por reforma da Previdência (Renato S. Cerqueira/Ato Press/Folhapress/.)

O peso que as emendas parlamentares ganharam no Orçamento não a despercebido. Somente neste ano, elas somarão 50 bilhões de reais. Muita gente espera que o Congresso assuma sua parcela de responsabilidade pelo rombo nas contas e modere o apetite. Enquanto surgiam os primeiros sinais de recuo no apoio ao pacote de Haddad, o ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino, relator do processo sobre emendas parlamentares, deu um prazo de dez dias para o Congresso explicar a criação de um “novo Orçamento Secreto no Ministério da Saúde”. Para grande parte dos congressistas, não foi mera coincidência a ordem de Dino no momento de ime entre Executivo e Legislativo sobre o ajuste fiscal. “O Congresso quer corte de gastos, mas, com as emendas, isso é quase impossível”, afirma Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda e colunista de VEJA.

arte eco Chance

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Caberia a Lula resolver o ime, assumindo o ônus político de propor as impopulares, mas necessárias, medidas que evitem o desastre fiscal que já se avista, como uma revisão de programas assistenciais, uma reforma istrativa e uma nova reforma da Previdência. Somente assim poderá cobrar que os demais poderes cortem gastos. “Se o presidente não liderar esse processo, é muito difícil que o Congresso o faça”, diz o economista Samuel Pessôa, referindo-se às propostas de corte de gastos engavetadas no Parlamento. “Mas Lula lavou as mãos.” Considerando-se a fase de impopularidade do governo e os planos do petista para a reeleição, poucos apostam que o bom senso vai prevalecer para evitar a bomba fiscal. O país inteiro espera que essa previsão pessimista não se concretize, pois a conta dessa omissão será paga por todos os brasileiros.

Publicado em VEJA de 13 de junho de 2025, edição nº 2948

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